Em quase todos os vertebrados, o fígado tem, entre muitas
outras tarefas, a obrigação de transformar em gordura o excesso de nutrientes
ingeridos em relação às necessidades e armazenar esta gordura, fonte
concentrada de energia, em locais determinados do corpo, onde fica à espera de
ser utilizada quando uma época de penúria alimentar assim o exigir.
Isto passa-se com todos os mamíferos e vertebrados
terrestres.
Já no reino dos peixes as coisas não se passam sempre assim: se
naqueles peixes que conhecemos como peixes gordos, a sardinha, o atum, o
salmão, a cavala, truta, enguias, etc. se passa o mesmo, isto é o peixe está
mais ou menos gordo consoante tem mais ou menos gordura nos músculos, sob a
pele e na barriga, já nos peixes magros, o bacalhau, carapau, corvina,
linguado, pescada, robalo, etc, essa reserva de gordura imprescindível à
sobrevivência nas épocas de fome é feita no próprio fígado.
O músculo permanece
sempre magro e o fígado cresce e guarda em si próprio as gorduras de reserva.
Quando vos falei dos peixes magros, os tais do fígado gordo,
omiti propositadamente da lista aquele cujo fígado, pela sua importância gastronómica
é por muitos considerado (e também por mim!) como o foie-gras do mar: o gordíssimo fígado do tamboril!
O ankimo, assim se
chama o fígado de tamboril no Japão, é reverenciado e disputado como chinmi, ou iguaria rara, com que se
compõem os mais caros e exclusivos sushi.
Por cá, há muitos fígados de tamboril à disposição e, para
falar verdade, o certo é que quase não se lhe liga importância, é um
ingrediente barato, às vezes grátis, que alguns usam em caldeiradas e pouco
mais. É o que perdem!
Suavíssimo na textura, alia no sabor a delicadeza de um
verdadeiro foie gras de ganso ou pato
com os traços e aromas de mar. Esquisito? Nem por isso. É sim, uma verdadeira
delícia.
Ingredientes:
Fígado fresco de tamboril
Sal e pimenta
Vinagre
Molho holandês
Acompanhamentos
Preparação:
É muito fácil encontrar fígados de tamboril, no mercado ou
peixaria, onde é geralmente vendido a preço muito baixo e às vezes até grátis,
pois é vulgar que o cliente compre o peixe e rejeite o fígado.
Tem aspecto rosado ou alaranjado, está por vezes
ensanguentado e deve pedir para lhe tirarem logo a vesícula biliar, que se vê
na face posterior do órgão e que o estragaria irremediavelmente se rebentasse e
derramasse a bílis sobre o fígado.
Em casa, meta-o numa tigela coberto de água fria com vinagre
durante duas ou três horas, de modo a limpar o excesso de sangue que possa
conter.
Após este tempo de depuração, em que a cor do fígado clareia
nitidamente,
há que retirar-lhe os vasos grandes e canais bilares que formam
uma espécie de árvore na parte posterior e que se desprendem facilmente com o
auxílio de uma faca bem afiada ao mesmo tempo que se vão puxando.
Cortem-se então em fatias, temperem-se apenas com sal e
pimenta
Sem deixar cru, deve no entanto evitar que, percam o gras e acabem por ficar duros e secos. Dez a quinze segundos de cada lado com lume muito forte é suficiente para deixar este foie gras pronto para o prato.
Cebola caramelizada, vegetais diversos numa ratatouille, os acompanhamentos são algo
demasiado pessoal para estarem aqui a ser indicados. As suas preferências e
gosto mandam.
Como acompanhamento, usei lâminas de cogumelo do cardo (Pleurotus eryngii.) grelhadas na gordura
que o fígado deixou e feijão verde, tudo regado com molho holandês que fiz com uma
redução bem escura de vinagre balsâmico.
1 comentário:
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