segunda-feira, 13 de abril de 2009

Cozer Camarão e Outras Reflexões Físico-Químicas

Se, por uma questão de justiça, figurassem os ingredientes de uma receita pela ordem de importância do papel que nela desempenham, em mais de noventa em cada cem apareceria em primeiro lugar destacado a Energia!

Aquilo que fazemos intuitiva e amorosamente nas nossas cozinhas, não é mais que uma sucessão de intervenções físicas e químicas destinadas a combinar, decompor ou alterar os constituintes dos alimentos, transformando-os nos deliciosos pratos da nossa predilecção.
Nestas andanças da físico-química culinária, quase tudo é mediado pelo fornecimento ou subtracção de calor e é difícil encontrar um cozinhado em que se não fale de lume, aquecer, arrefecer, cozer, agitar, ferver, reduzir, etc.
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Sendo tão determinante a acção do calor com que se cozinha, não pode deixar de parecer estranha a displicência com que é encarado e o conformismo com que se aplicam factos físicos, como a temperatura de ebulição da água, a quase todos os cozinhados, independentemente de ser ou não necessária essa temperatura para a obtenção dos resultados pretendidos.
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Estão neste caso as alterações nos alimentos proteicos de origem animal, carne e peixe em geral, que se dão a partir dos 70ºC e para os quais os tradicionais 100ºC da ebulição são, na maior parte dos casos, claramente excessivos. Foi esta constatação que levou, nos últimos anos, à criação de numerosos pratos de confecção a baixa temperatura por tempos prolongados e aos confitados, técnicas aparentadas e parcialmente sobrepostas, de resultados tão espectaculares.
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O cozinheiro é o supremo administrador da temperatura nos seus alimentos e o termómetro a sua indispensável arma para ter controlado o processo culinário. No entanto, apesar de ser instrumento barato, bem mais que uma forma de bolo ou uma vulgar faca, o termómetro continua a ser o grande ausente na maioria das cozinhas e continua a fazer-se um ponto de açúcar "a olho", um confitado a "apalpar", um assado a "espetar" para ver se ainda deita sangue.
Ninguém imagina um cirurgião a operar com um canivete ou um engenheiro a calcular os materiais de uma obra baseado em palpites, mas continua alegremente a fazer a sua comida sem saber muito bem a temperatura a que está realmente a cozinhar.
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Eu uso termómetro do mesmo modo que uso uma faca, o sal ou uma especiaria. Utilizo estes dois termómetros, ambos de termopar, o da direita para "sentir" a temperatura do interior das peças cozinhadas e o da esquerda para medir temperaturas em geral.
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Com a ajuda deste último, testei metodicamente o cozimento de camarões, processo sobre o qual cada um tem a sua receita e diz o que lhe apetece ou, pior ainda, o que ouviu dizer.
Usei o método científico mais antigo: a experimentação sistemática e metódica. Meia dúzia de ensaios controlados com camarão cru 60-80 e outras tantas experiências gustativas de avaliação de resultados, permitiram-me chegar ao que aqui, em rigorosa primeira mão, vos deixo:
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Ingredientes:
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250g de Camarão cru 60-80
1 punhado de sal marinho integral
0,4l de água
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Preparação:
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Leve a água ao lume com o sal. Quando levantar fervura, introduza de uma só vez os camarões previamente descongelados. A temperatura baixa imediatamente dos 100ºc para cercade 65ºC.
Continue ao lume, agitando para uniformizar a temperatura e apague o lume assim que a temperatura atingir 80ªC. Tape e deixe arrefecer.
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Escorra e refresque por umas horas no frigorífico antes de servir.
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8 comentários:

kuka disse...

Hoje o termómetro é na verdade um instrumento essencial na cozinha.
Possuo vários, até um igual a esse, com as imagens de animais e que já deixei de utilizar. Tem uma resposta muito lenta, comparada com a de outros que nos dão a temperatura em 2 ou 3 segundos.
Mas na realidade hoje é-me imprescindivel.

cupido disse...

Confesso que não uso termómetro (tirando o do forno), nem mesmo para os vinhos (o que é palermice porque há situações em que um ou dois graus fazem toda a diferença).
Gostei do post, interessante, didáctico. Pena é que em 99% das coisas que vejo publicadas na blogosfera nem sequer revelam atenção na harmonização de ingredientes, quanto mais nas temperaturas certas de preparação... Enfim, coisas.

risonha disse...

É por isso que eu me considero uma aldrabona na cozinha...
Tenho aprendido muito consigo. Obrigado pelas suas postagens que nos ensinam sempre tanto.

Miguel Jorge disse...

Já não sei viver sem o segundo.O lombo de porco, a galinha, a perna de borrego nunca mais ficaram crus por dentro.Que sossego, é um instrumento FUNDAMENTAL em qualquer cozinha.

anna disse...

Sei que está de férias, mas não quero deixar passar a oportunidade... mesmo sem ter termómetro, hoje tentei seguir as suas indicações para cozer camarão.
Resultado: maravilhosos! Ficaram rijinhos e saborosos como nunca.
Obrigada Luís, este seu espaço é uma verdadeira escola...
Beijinhos.

Anónimo disse...

Mas ficam a arrefecer dentro da água quente? Quanto tempo?

E não ficam bons se forem postos na água congelados utilizando as mesmas temperaturas, ou seja, vão demorar mais tempo a chegar aos 80 graus, mas tb, estando congelados, demoram mais a cozer.

Tenho usado o termómetro, mas nunca para cozer camarões. Esta na altura de experimentar.

António Bettencourt disse...

Desculpe la, mas aqui há coisas muito pouco científicas. Por ex:

"Um punhado de sal" - isso é o quê? 100g,20g?

"A temperatura baixa imediatamente dos 100ºc para cerca de 65ºC. - impossível, a água com sal ferve a mais de 100 graus, mas pronto, isto tb não é importante pq e uma diferença mínima.

"Tape e deixe arrefecer" - dentro da água quente? Quanto tempo? Se for dentro de água, continuam a cozer.

Não pretendo de forma nenhuma estar a deitar a baixo o seu método, aliás até o vou experimentar, mas era importante que desse estas informações.

Um abraço

Luís Pontes disse...

Bom, Anónimo, devo ter-me enganado a configurar isto porque aqui até não são permitidos comentários anónimos. Mas em honra do primeiro que conseguiu furar o bloqueio, aqui vai: Sim, devem ficar na água a arrefecer e, claro, a completar o cozimento e a impregnar de sal, o que só acontece na descida de temperatura.Mas pode escorrê-los a partir dos 50ºC se já estiverem a seu gosto em sal. Eu nunca ponho congelados em água a ferver porque não há qualquer vantagem, pelo contrário, em retardar a recuperação de calor e há o risco de a parte exterior cozida isolar o "coração" cru.

AB: Se continuar a dar umas voltas por aqui, vai perceber que isto é um blog à volta das comidas, não um livro de trabalhos práticos de Física ou de Química. A ciência ajuda mas por aqui quem cozinha é o cozinheiro, se não chamava-me Luís Bimby!:-)
Quanto ao "punhado"é assim mesmo: 20, 50, 100g o que for apropriado para o seu gosto e para o fim a que o marisco se destina. Se for para uma salada ou açorda quase não leva sal, se for para comer assim com umas Sagres, salgadinho sabe mesmo bem... enfim, deveria ter posto "q.b.p.".
Em relação à temperatura, lamento mas, impossível ou não, com as quantidades indicadas de água e camarão, com a temperatura ambiente que estava na altura da publicação, aquilo fica mesmo a 65ºC. +/- 1 ou 2 claro!

Quando quiser comentar um post já antigo, faça-o, por favor no último publicado, pois se o fizer como aqui, só por acaso será lido.

Abraço