Tortilha foi um termo que entrou tardiamente no meu vocabulário e quando entrou foi primeiro a significar esses crepes de milho omnipresentes na cozinha mexicana.
Só depois, ao conhecer as tortillas espanholas, percebi que afinal tinha comido tortilhas toda a vida, rebatizadas sabe-se lá porquê na casa dos meus pais de "pastelão".
A dramática modificação física que o ovo sofre ao ser cozinhado a quente sempre foi motivo de fascínio para mim e talvez por isso desenvolvi um gosto até algo exarcebado pelos pratos à base de ovos, desde os simples estrelados ou escalfados, aos pudins, carbonaras, aos exigentíssimos ovos mexidos a preceito (um dia faço-os se descobrir maneira de descrever a contento o processo), aos molhos-emulsão, as farófias, os leites-creme, ovos moles, passando pelas infinitas possibilidades de variação das omoletes e das tortilhas, desde a simples de patatas, até ao que se quiser.
Porque devia fazer a difícil escolha de um prato de ovos para esta 25ª Trilogia com a Ana e o Cupido, com tema "Ovos", optei por esse verdadeiro prato de fusão ibérico, algo que começa como uma tortilla de patatas espanhola e acaba a incorporar o portuguesíssimo bacalhau, numa tortilha/pastelão deliciosa que aprendi com a minha mãe há muitos, muitos anos e era prato de aproveitamento de restos!
Ingredientes:
Batatas
Cebola
Alhos
Azeite
Bacalhau
Sal e pimenta
Salsa
Ovos batidos
Preparação:
Comece por fritar levemente cebolas cortadas em gomos finos e alhos fatiados e, logo por cima batatas cortadas em falhas e temperadas com pimenta.
Deixe ao lume médio, mexendo amiúde para que nada frite realmente, apenas vá cozendo no azeite até que note que as arestas das partes mais finas das falhas de batata começam a desfazer-se, sinal para introduzir o bacalhau que foi previamente escaldado com água a ferver, sem nunca voltar ao lume e depois desmanchado respeitando as lascas. Envolva bem e deixe a fervinhar por cerca de 10 minutos em lume baixo, para manter a humidade do peixe.
Bata então os ovos (2 por pessoa) com salsa picada e sal e junte-lhes na tigela tudo o que estava na frigideira, envolva e volte então a pôr na frigideira em lume médio.
Quando o lado de baixo estiver pronto, o que se vê pela cor que os bordos tomam e pelas "chaminés" borbulhantes que se formam na parte ainda crua, faça a tortilha deslizar para um prato ou tampa da frigideira, cubra esse prato ou tampa com a frigideira invertida e volte o conjunto com decisão, virando assim a sua tortilha.
Deixe cozer a seu gosto; essa sensibilidade só se adquire realmente com a prática e esse tempo também é muito determinado pelo facto de os ovos terem vindo ou não do frigorífico. Para mim, gosto que a tortilha fique com partes húmidas de creme de ovo, por dentro, mas aqui cada um tem a sua preferência , toda a gente sabe se gosta de ovos muito ou pouco passados e não é coisa que se coma pela bitola de outros.
Pessoalmente, talvez porque era assim que a comia em criança, adoro acompanhar o calor gordo de uma tortilha com o fresco avinagrado de uma salada de alface, servida no mesmo prato para aproveitar essa "promiscuidade" de sabores e temperaturas contrárias, coisa que costuma irritar sumamente os gastrónomos e outros doutores do gosto, o que não me importa nem um bocadinho, pois como é sabido, apesar de às vezes também se chegar através da gastronomia a propostas interessantes, basicamente, ser gastrónomo é uma pose elitista que abdica do próprio gosto e adota, para degustar, gostar ou desgostar da própria comida, a boca, o gosto, os critérios, as modas e as opiniões de sagradas maçonarias que ninguém nomeou ou elegeu.
... e agora que se cumpriu esta 25ª Trilogia, toca a pensar no tema da 26ª, que me toca a mim!
6 comentários:
Chamar pastelão à tortilha é quase uma recorrência. E ser mais papista que o papa em relação a ingredientes ou pontos de cozedura da tortilha não acrescenta nada ao prazer de degustar uma tortilha... a gosto.
Venha a próxima trilogia...
Me arrependi de ter adicionado o seu blog (BRINCADEIRINHA!!!)
Eh que cada vez que abro o meu, vejo as suas receitas deliciosas, ainda mais as fotos, e é uma tentação para a minha dieta!!! Hj vai ser duro ficar satisfeita com a minha saladinha!!!
Abraços
Todos (os crescidos, como nós) nos lembramos dos pastelões das nossas mães... deste-me saudades desses tempos, logo a mim, que nao gosto de olhar para trás...
E a próxima, ainda estás a pensar???
Beijinhos.
Prezado Sr. Pontes: permito-me indicar-lhe um vídeo de como o grande cozinheiro Vasco, Karlos Arguiñano, faz a tortilha de bacalhau, um dos grandes e maravilhosos pratos desta cozinha.
Bem sabe o Sr. da minha admiração pela cozinha basca.
Cá verá que ele não usa batata, mas pimento verde,
É uma receita muito singela que eu faço muitas vezes e posso dizer-lhe que gosto dela imenso.
http://www.megaupload.com/?d=KD5PGY2H
Um saúdo desde a Galiza.
Carqueixa,
é realmente uma proposta interessante esta do basco Carlos Arguiñano, a demonstrar bem a riqueza da diversidade culinária, por oposição à imobilidade com que os cânones gastronómicos tentam por vezes impôr os seus valores.
Aqui em Portugal, no entanto, a "tortilla" de Arguiñano seria chamada de "omolete", sendo o emprego destes termos objeto de discussão deste lado da fronteira.
Veja http://outrascomidas.blogspot.com/2010/09/tortilha-de-pimentos-vermelhos.html
Receita deliciosa!
Enviar um comentário