segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Arrepiar

                    Nos tempos em que havia tempo para a função de cozinhar, era comum que muitos alimentos tivessem de ser preparados previamente à sua utilização. Eram as longas marinadas, as salgas e dessalgas, o lento levedar e descansar das massas, comprar hoje uma abóbora gila e só fazer o doce daqui a um ano, quando ela estiver perfeita, esperar seis meses por uns rojões, um chutney ou um licor para degustar a sua plenitude sápida, as mortificações da caça e de muitas outras carnes ( Olleboma recomendava ter os bifes pelo menos 3 dias no frigorífico antes de cozinhá-los).
Hoje, tudo se sacrifica às frescura assética e rapidez, num frenesim que nos priva de alguns dos tesouros que os nossos ancestrais criaram ou descobriram, simplesmente porque tinham… tempo.
De entre os sabores perdidos na área dos peixes estão as barrigas de atum salgadas, as sardinhas de cura amarela, em barrica, o polvo de meia-cura, a moreia semi-seca e os arrepiados.
Arrepiar um peixe é uma técnica que permite uma transformação sui generis em açúcares que sustentam a sua estrutura muscular, transformando carnes moles como as da abrótea* ou da pescada em peixes firmes e lascados. Significa esfregar o peixe inteiro com sal grosso no sentido cauda-cabeça e deixá-lo pendurado pelo rabo durante um período de 12 horas.

Ingredientes:

Peixe inteiro
Sal grosso

Preparação:

O peixe a  arrepiar deve estar escamado e eviscerado, ter mais de um quilo (quanto maior, melhor) e, se tiver o fígado, deverá retirá-lo antes de arrepiar e guardá-lo no frio.
Comece por amarrar com firmeza o rabo do peixe com um nó espesso que possa suportar-lhe o peso quando o pendurar sem que o fio corte a pele.
 Eu uso o nó clássico de empatar anzóis, encarando o rabo do peixe como a haste do anzol, mas este nó tem alguma complexidade para quem não o sabe fazer e pode usar qualquer outro que queira e for capaz.
Use sal grosso mas não excessivamente grosso. Eu cozinho com sal integral comprado em salina e que tem por isso cristais às vezes muito grandes, pelo que o pisei um pouco no almofariz.
Esfregue então o peixe com o sal, sempre em movimentos corridos e só no sentido rabo-cabeça.
Pendure-o então pelo rabo
E cubra-o com um pano para que fique protegido de insetos e mantenha uma temperatura fresca.
Ao fim de 12 horas, ou no dia seguinte se o deixar pendurado durante a noite, estará pronto para cozinhar e disfrutar de lascas e textura magnificas.
Nota: * Refiro-me à abrótea continental (Phycis phycis), já que não estou seguro que a abrótea açoreana seja exatamente a mesma coisa.

6 comentários:

Paula Alexandra Santos disse...

Não conhecia este método e na 1ª fotografia, pensei que se tratava de bacalhau, justamente por causa das lascas!
Obrigado pela partilha, porque infelizmente hoje em dia, muitas das coisas (culinárias e não só) que se fizeram durante décadas e eram verdadeiras tradições, estão a perder-se muito rapidamente.
:)

jamsilva disse...

No mês passado numa das idas ao mercado para comprar um peixe para o almoço falaram-me desta técnica tão bem explicada neste post. Maior coincidência ainda é que nesse mesmo dia comprei ... uma abrótea...

Na altura por falta de tempo e por ter algum receio de estragar um exemplar resolvi adiar o projecto.

Ora com esta explicação acabaram-se as desculpas....

Maria J Lourinho disse...

Até fico arrepiada com as voltas que a abrótea dá. Não é a minha "praia" mas admiro a arte, a técnica e o prazer que tudo isso dá.
M. Jesus

As coisas da mãe Sofia disse...

A minha mãe ainda arrepia o peixe antes de cozinhar. :) Bjs

anna disse...

A minha mãe sempre arrepiou a pescada... eu nunca o fiz e não é só por falta de tempo.
Não vele rir, mas não tenho sitio para a pendurar...
Beijinhos.

vera disse...

a minha irma teve durante algum anos uma peixaria,e eu desde novita que lá trabalhei a arranjar peixe para ganhar uns trocos prás voltinhas e noitadas ;) e desde logo aprendi a tal técnica de arrepiar a pescada porque a pediam quase sempre na compra de pescada ou abrotea, mas arrepiava-las sempre no saco ou na vazilha!!não me ensinaram a pendura-la (só me ensinaram a pendurar a moreia, lula e polvo para os secar)!Já tenha seguido mts tecnicas do Srº Luis, todas sucesso. Dificil mesmo é impingir estas novas tecnicas ás gentes da familia q usam as suas maneiras á muitos anos, mas com jeitinho vão-se fundindo as maneiras de outras regiões!! já agora, as minhas "maneiras" são as de Portimão ;) a pescada quere-se riginha e a da foto está apetitosa quase a parecer uma bela posta de bacalhau :) continue com as belas propostas!!