Dir-se-ia o resultado de algum cruzamento mitológico entre safio e leopardo, a avaliar pela forma do corpo e pelas manchas que recobrem a pele deste peixe de carne mole que, sendo comestível mas sem grande valor culinário, acaba agrupado naquele grupo de peixes sem grande cidadania a quem se chama, genericamente, "peixe de caldeirada".Havia, no entanto, nas costas alentejana e algarvia, um modo engenhoso de transformar a insípida moreira em petisco "de pescador", que alguns veraneantes iam descobrindo ao sabor das explorações estivais e do passa-palavra: a moreia seca frita, maravilhoso puxavante e álibi de umas cervejas a refrescar o Verão escaldante.
Infelizmente, a massificação turística e a descoberta desta iguaria tão pitoresca e quase dada (a olhos de visitantes endinheirados), aliada a uma oferta que nunca aumentou (a moreia é um peixe que vive em buracos rochosos junto à costa e é pescada artesanalmente, à linha), fez com que esta delícia de pobre se tivesse tornado uma raridade cobiçada, vendida em pratinhos com duas ou três postinhas esquálidas, vendidas a peso de ouro.
A quem não se contenta com as tais postinhas e não gosta de alinhar nestas especulações hoteleiras e leis do mercado , resta a solução de sempre: fazer!
Foi o que fiz :
Ingredientes:
Moreia
Sal
Azeite ou óleo (para fritar)
Preparação :
A semi-secagem da moreia, antes da fritura, é absolutamente essencial para a obtenção do deslumbrante resultado final, já que é esta preparação prévia que permite que a carne mole deste peixe ganhe firmeza e textura, além de isolar a camada de gordura subcutânea que, juntamente com a pele, irá ao fritar, transformar-se no delicioso "torresmo" estaladiço que é o encanto da moreia frita.
Adquira uma moreia.
Geralmente é peixe que pesa entre um e dois quilos, aposte no maior que conseguir. Se tiver dificuldade em arranjar, fale com o seu fornecedor de peixe. Avisado, no dia seguinte deixará por cortar uma moreia das que geralmente usa para a caldeirada. Leve inteira.
As operações que se seguem são a evisceração, a limpeza profunda e a escalagem:
Comece por abrir a moreia e retirar vísceras e guelras.
Repare que junto à coluna vertebral se desenvolve um vaso vermelho escuro, o baço,
que deve abrir com o bico de uma faca
e depois escovar energicamente até que não reste qualquer vestígio de sangue (eu uso para este fim, uma escova de dentes velha).
Escale a moreia em todo o seu comprimento, tendo o cuidado de nunca atingir a barbatana dorsal.
Lave e deixe numa salmoura leve (25g de sal num litro de água) por meia hora.
Seque bem a moreia com papel absorvente e fixe-a a um pau ou ripa de madeira, com o auxílio de pregos no ângulo formado pela mandíbula superior.
Abra e afie segmentos de uma cana,
que irão servir para manter a pele da moreia esticada e use-os de 10 em 10cm do lado da pele, fixando-os em pequenos orifícios que fará no bordo.
Deixe a secar pendurada num local com vento e, se possível, com exposição solar mediana.
Conforme o calor ambiente, vento e humidade relativa, a sua moreia estará pronta, isto é, semi-seca, dentro de 2 a 3 dias.
Parta em postas finas e frite em azeite ou óleo, com lume médio.
A fritura da moreia pode vir a revelar-se um exercício heróico de estouros e salpicos de gordura ardentes. Tome precauções e evite a presença de gente nas imediações da "guerra".
Sirva logo, com cerveja e bom pão.