segunda-feira, 27 de março de 2017

Língua escarlate

                  Há muitos anos que esperava a oportunidade de preparar este clássico da charcutaria, sempre adiada por falta de um ingrediente essencial.
De facto nunca me conformei com a ideia de fazer uma Língua Escarlate usando esse truque moderno que consiste em fazer a língua e colori-la no fim com corante vermelho. O que dá a cor vermelha a esta preparação que já Escoffier muito estimava e usava é o nitrato de potássio, vulgo salitre. 
Acontece que, por azar, o salitre é também o ingrediente principal da velha pólvora negra, aquela das guerras napoleónicas e dos foguetes e bombinhas de Carnaval. 
Claro que nenhum terrorista iria fazer uma bomba de pólvora de foguetes mas o legislador é geralmente muito ignorante e o nosso salitre para a Língua Escarlate foi englobado na lista de substâncias “explosivas” cuja venda é proibida ao público, o amador, já que as indústrias de charcutaria, enchidos e fumados comerciais o usam em todos os presuntos, chouriços de carne, paios, etc.
Mas agora tudo mudou: numa conversa virtual com a minha amiga e seguidora deste blog, Maria José Santos, soube que era possível arranjar em farmácias do Porto pequenas quantidades de salitre, ela fez-me o favor de mo oferecer e enviar, ficou enfim possível fazer esta delícia.
Com pequenas alterações em relação às receitas desta amiga, do seu pai e da centenária receita de Escoffier, fez-se assim:

Ingredientes:

1 Língua de vaca (c. 1,4 kg)
12g de salitre
2kg de sal marinho grosso
20g de açúcar mascavado
Vinho branco, seco
1 Cebola
3 dentes de alho
Pimenta preta em grão
Pimenta da Jamaica em grão (allspice)
2 Cravinhos
2 folhas de louro

Preparação:

Lava-se bem a língua,
seca-se e retiram-se todas as partes que sempre traz agarradas, gorduras, restos da tiróide, glândulas e cartilagens.
Salpique a língua com o salitre,
depois com o açúcar mascavado,
feche numa caixa e deixe no frigorífico por 24 horas.
No dia seguinte, faça uma cama espessa de sal marinho grosso e bem seco, deite nele a língua e cubra completamente com mais sal.
Deixe no frigorífico por oito dias.
Ao fim deste tempo, em que a língua perdeu uma quantidade considerável de água,
sacuda-a bem do sal e leve-a ao lume numa panela com água e vinho branco seco em partes iguais e os restantes ingredientes.
Deixe cozer durante cerca de 3 horas (duas horas e meia se for língua de 1kg),
retire-lhe a pele com cuidado
e ponha-a de novo enrolada numa caixa a esfriar no frigorífico.
Nesta altura, enquanto está quente e mole, se dispuser de uma forma, poderá dar-lhe a forma que quiser.
Abra-a no dia seguinte, descobrindo a famosa cor escarlate que lhe dá o nome
e sirva em fatias finas, como se de fiambre se tratasse.




1 comentário:

Flor de Sal disse...

Ai se o meu marido vê isto!!!!!