................... Toda a gente teve sonhos.
Uns, a determinada altura da sua vida decidiram assentar bem os pés na terra e mandá-los às urtigas; outros, como eu, envelheço alegremente sem esquecer os tempos de meninice em que sonhava ser o Mandrake (e com propósitos inconfessáveis!), depois na adolescência (e até hoje) a ver-me a ser como Corto Maltese (assim esbelto e tudo), depois a sonhar que um dia hei-de ir jantar ao El Bulli ou ao Noma, quando, em breve, for rico suficiente para isso.
Claro que nunca irei ao Bulli, ou ao Noma, ou à Osteria Francescana, ou ao D.O.M., porque é muito mais provável que nunca chegue a rico (na verdade é coisa que não procuro!) e, além disso, vejo os ricos que conheço muito mais ocupados a ser ainda mais ricos que irem comer a comida do Adriá, do René Redzepi, do Massimo Bottura ou do Alex Atala.
Mas claro que nunca se sabe…
Hoje o sonho travestiu-se de jantar e Alex Atala, pela mão do Eduardo Luz, trouxe o seu D.O.M. de S. Paulo até Lisboa e aqui presidiu ao primeiro jantar da série L.
Das receitas escritas por sua mão já aqui vos dei notícia. Este foi o jantar:
…que começou com uma entrada bem estranha e improvável, a misturar sabores tão diferentes como palmito de popunha, raiz forte, vieiras, shoyu e coral de vieira, algas e lula!
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Para dizer a verdade este jantar começou com um erro monumental e de palmatória, erro de principiante deslumbrado, de quem segue receita de mestre e pensa que receita é cânone esquecendo que uma receita é apenas o reflexo do gosto de quem a criou e que, qualquer comida deve ser feita ao nosso gosto.
Se eu acho (e já achava antes!) que wasabi estraga sempre qualquer sushi e a única coisa espetacular que provoca é lágrima e borrar tudo o que é sabor delicado sob o seu amargo picante e pungente, usar “raiz forte”, que é a matéria prima original do wasabi, entre a deliciosa e delicadíssima carne de vieira, só podia dar asneira, e deu!
Bonito mas muito mauzinho de sabor, fez-se uma reedição em que se realçou a combinação vieira-palmito com uma emulsão de azeite e shoyu, tudo se compôs e aprendeu-se a esquecida lição.
Finda a acidentada e repetida entrada, veio a “piéce de resistance” deste jantar, a Galinha de Angola Lutté, que, apesar de não ser a dita, que não havia por aqui, se fez representar por uma bela e campesina Galinha de Portugal e que, após os tratos culinários prescritos
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e polvilhada por uma farofa monumental, acabou comida de chorar-por-mais.
E ainda vinha aí o bolo da D. Palmira…
….que é um bolo bem estranho, feito apenas com ovos, açúcar, castanha do Pará, pão ralado e… caril.
De confeção algo difícil, só resultou à segunda tentativa, depois de um arrefecimento invertido, como nos chiffons. Talvez o problema tenha a ver com o facto de ter usado noz em vez de castanha do Pará, fruto de uma árvore da lista vermelha de espécies em perigo pela recoleção desenfreada das suas sementes e que não poderia figurar num blog com pretensões ambientais e de sustentabilidade como este.
Mas a troca das nozes não impediu que tivesse ficado uma delícia, com a sua superfície caramelizada a maçarico e encimado com gelado que deveria ter sido de whisky mas foi de rum, que era o que havia à venda e eu não tenho máquina sorveteira.
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Claro que não ia cometer dois erros, para mais iguais, num só jantar. Estarão a perguntar-se onde está o elemento controverso deste bolo da D.Palmira, o caril, e a resposta é que….. não está.
Um noivado prévio experimental, feito com as aparas deste delicioso bolo e o também delicioso caril Jaypul, redundou numa perfeita incompatibilidade de génios e, antes que se estragassem duas casas, ficou-se por aqui, o caril no pacote e o bolo no prato onde viria cumprir o seu destino.
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Estando só dois comensais e havendo que trabalhar na manhã seguinte, fez-se a refeição acompanhar, e bem, por um tinto Terra Alta, uma sub-região na costa de Valência com vinhos muito especiais e personalizados.
Estando só dois comensais e havendo que trabalhar na manhã seguinte, fez-se a refeição acompanhar, e bem, por um tinto Terra Alta, uma sub-região na costa de Valência com vinhos muito especiais e personalizados.
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Este Vespral Reserva de 2006, feito com Tempranillo e Ganacha foi início, continuação e remate deste 1º Jantar L, já a pensar no segundo, que, se não for por mais, me deixa a terrível responsabilidade de ter de dar seguimento a um cardápio de Alex Atala!
2 comentários:
FaLa, Luís.
O L Lisboeta foi um pouco mais, digamos, acidentado, que o L pauLista.
Se bem que utilizei um wasabi bem fraquinho com as vieiras pois já imaginava que o resuLtado da receita original seria um tanto forte.
Quanto a gaLinha, concordamos totaLmente: é de comer muitas vezes.
Já na sobremesa, utilizei o curry com parcimônia e ninguém recLamou, especialmente o Mingão ! :)
Em suma: foi o maior prazer retornar aos nossos jantares e já estamos a espera da nova ementa.
Longa vida ao L.
Edu L
Não é só na feijoada que concordamos, no wasabi também. A primeira vez que provei foi no japonês da Calçada da Tapada e disseram-me que era uma espécie de mostarda forte.
Até pensei que me iam saltar os olhos das órbitas, com óculos e tudo...
Já fui espreitar, aqui mais abaixo, a receita da senhora galinha, cujo aspecto prometedor me ficou debaixo de olho...
Beijinhos.
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