Da crosta de um panado ao crôuton que alegra uma salada, passando por açordas, sanduíches, pudins, fatias barradas de algo ou sozinhas, de trigo, milho, centeio, até de cevada se faz pão, tomando todas as imagináveis e inimagináveis formas e texturas, assumindo desde o mais humilde papel ao ser "esfregão" que limpa o prato de delicioso molho, até à divina simbologia, berço e liturgia da nossa civilização.
Coube-me a escolha do tema para esta 26ª Trilogia, num dia terrível de computador em crash, a Ana e o Cupido a pressionarem, impacientes, já com a 25ª cumprida e a quererem saber o que se ia seguir, hoje. Pão foi a escolha que não chegou a ser opção: era o que estava a comer na altura, sem tempo para mais, olhei para ele ali na mão e "Pão" ficou.
Um ensopado é um guisado caldoso em que o pão é rei. Fazem-se ensopados do que se quiser, bacalhau, lulas, javali, enguias e, claro, o borrego, prato pascal do Alentejo que se come o ano inteiro, melhor agora por os borregos estarem novos e de pasto verde e fresco. Com um genuíno pão alentejano a ensopar, foi o que se fez.
Borrego novo
Farinha
Banha de porco (usei azeite)
Chouriço caseiro (facultativo)
Cebola
Alhos
Louro
Pimentão doce
Pimenta
Malagueta
Hortelã (ou poejos frescos)
Sal
Preparação:
As melhores partes do borrego para ensopado são o cachaço e as costelas, aqui chamadas "peito". Se comprar em quartos, que é a maneira mais económica, deve preferir o dianteiro, ou "mão", que é o que traz o cachaço todo e maior quantidade de peito.
Parta a carne em pedaços, passe-os bem por farinha, sacuda o excesso e aloure-os em azeite ( o preceito CTP é com banha, mas há que fazer opções nestes casos em que a saúde fica em xeque).
Aloure a cebola e os alhos em azeite (ou banha), junte os restantes temperos exceto a hortelã (ou poejos) e umas rodelas de chouriço (facultativo, não é da norma mas eu uso porque gosto), depois a carne e a gordura em que alourou, cubra de água, junte então sal, cubra e deixe a ferver em lume baixo por cerca de 45m a uma hora, consoante a rijeza da carne.
Quando a carne estiver quase pronta, junte então alguma batata, pouca e em rodelas, um bom ramo de hortelã ou poejos frescos, junte mais água se necessário e retifique o sal. Deixe apurar até a batata começar a desfazer,
e sirva sobre as fatias de pão, previamente dispostas no prato,
deitando o molho a ferver sobre hortelã fresca e pão, que deve ser firme por sua natureza e duro por já ter sido feito há dias. Depois do pão bem ensopado no caldo é ir comendo e regalando-se,
acompanhando com um vinho que ache a condizer. Eu usei o Vinha da Tapada 2005, um tinto da Herdade de Coelheiros com um preço muito convidativo e que, até hoje, sempre acompanhou na perfeição todos os pratos que lhe juntei, e foram já muitos e variados!
...e assim nos encaminhamos para a 27ª Trilogia, que o Cupido vai mandar!
5 comentários:
Se aquilo foi pressão (lol!!!! Náo foi nada disso...), funcionou muito bem que esta trilogia com o pão saíu completa e bem boa.
Novidade, para mim, no teu ensopado é o chouriço e os poejos. Adoro comida alentejana!
Beijinhos.
O ensopado de Portalegre não leva banha, não leva, malagueta, não leva chouriço, de resto é tal e qual. ( Com hortelã ).
Ana,
O chouriço uso-o aqui, só quando tenho daquele "especial" de porco preto e feito em casa, porque gosto muito do sabor que deixa. Pode-se dizer que é o "meu" ensopado tradicional. Já os poejos, mencionei porque são muito usados por lá, embora eu prefira, e use, apenas a hortelã.
IsabelI,
É a grande sedução da cozinha tradicional verdadeira, a que não está ainda museologificada (eu digo a brincar "mumificada")e portanto é viva e variável de terra para terra, de cozinha a cozinha.
Que continue assim por muitos anos, sem aparecerem os doutores da tradição a dizer: "é assim, é assado, a receita fixada por fulano..."
Boa tarde, Luis!
Há muito que sou vista assídua do seu blog e fico sempre deliciada com as suas receitas e com a forma como as partilha, por isso não entendo alguns comentários, quase que diria, maldosos e invejosos que de vez em quando surgem. Já experimentei, com sucesso, algumas receitas e esta vai ficar na minha lista para experimentar um dia destes!
As minhas desculpas pela preguiça que só agora me deixou transmitir-lhe o meu apreço pelo seu blog e pela generosidade que está subjacente a todo o trabalho desta partilha.
Melhores cumprimentos
Fátima Cabral
Podes ter sentido pressão para divulgar o tema, mas o resultado sem ser surpreendente, é fantástico. Um ensopado de borrego bem feito honra qualquer pão :)
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