terça-feira, 23 de novembro de 2010

Receita?

........................ Se o leitor ouvisse a alguém que, deleitado com a descoberta da literatura de Lobo Antunes, declarasse ter descoberto finalmente a receita para o êxito no ofício de escritor, nunca começar um parágrafo, excepto o de abertura, com letra maiúscula, ali estava a secreta receita, diria por certo - "que grande parvo que ali vai!"- o leitor sabe que a Arte, essa misteriosa chama que nos toca e emociona, não cabe em receitas, tem de ser livre.

E no entanto, quantos de nós que se envergonhariam de ostentar uma peça de vestuário "Prada" ou uma mala "Louis Vuitton" dessas que se compram nas feiras suburbanas por uns cêntimos, seguimos e ostentamos com religiosa devoção as receitas que aquela revista, aquele chef ou aquele gourmet dizem ser a maneira correta de comer?
Quantos de nós afirmam com convicção que os ovos estrelam-se em manteiga e não se pôe sal na gema? Disse-o mestre Escoffier porque era como ele gostava de ovos estrelados e, como ele era o grande Escoffier, logo uma legião de burros passou a dizer que era a lei e que gente de gosto apurado assim deve gostar!
Eu faço-os em azeite e com sal grosso bem sobre a gema; é como eu gosto!
Todo o cânone é uma tirania, toda a receita um espartilho. Podem e devem servir como inspiração, como fio condutor da feitura de um prato, como um transmitir de técnicas e experiência de outrem que a nós aproveita à obtenção de um gosto nosso, a nossa cozinha.
É por isto que a maioria das receitas que vos deixo são receitas abertas, deixam hipóteses de escolha, deixam liberdade, deixam campo à "heresia" e à descoberta do caminho próprio por onde deve seguir a confeção da nossa comida e que a fará ser mesmo a comida de mais ninguém.
Claro que se excetuam as receitas que são elas próprias receitas tradicionais e enquanto tal devem ser respeitadas ou então declaradamente desrespeitadas e partida para novas descobertas (com um novo nome); é assim que nascem e vivem as Cozinhas.

7 comentários:

As coisas da mãe Sofia disse...

Concordo perfeitamente. Apesar de apreciar a forma de cozinhar de alguns chefs conhecidos, quando eu faço as mesmas receitas mudo sempre alguma coisa para ficar mais ao gosto da minha família.
E eu gosto dos ovos estrelados em azeite e tempero tudo com sal grosso, inclusive a salada, que muita gente defende que se deve temperar com sal refinado.

Helena disse...

Bem eu não sou tão radical, penso que todas as receitas são abertas, mas também as opções de as seguir a preceito ou não.
Quando cozinho uma receita de um chef ( que aprecio), sigo-a rigorosamente da primeira vez, só a altero ao repetir para comparar.
Nos ovos estrelados tenho o mesmo gosto pelo azeite e sal grosso na gema :)
Boa semana

Isabel I disse...

Concordo em absoluto, a cozinha que fazemos é o reflexo da nossa personalidade. Para mim ovos estrelados ou mexidos são em manteiga e sem sal.

Anónimo disse...

Concordo plenamente. Mas ha "tecnicas" de confeccao que e importante seguir para ter um bom resultado no final. Se eu um dia quiser grelhar peixe no forno, hei-de seguir a sua tecnica, partilhada no post anterior, mas quanto aos temperos, isso fica ao sabor dos meus desejos do momento (e ao que tiver disponivel!)
cumprimentos
sofia

Cristina Antunes disse...

Saudações blogueiras,
tenho reparado em inúmeros comentários que o Luís Pontes deixa nos blog's do Amândio Cúpido e da Anna, que existe uma certa indignação pela forma como algumas pessoas "trucidam" os cánons da Cozinha. E o quanto a frase "..a minha interpretação", desrespeita a criatividade de alguém ou de algum prato.
Não só concordo consigo, como tento transmitir isso às pessoas que me rodeiam, nem sempre com sucesso.
No meu blog ainda não o faço porque ainda ando por cá a muito pouco tempo e temo a forma como as minha palavras possam ser interpretadas com quem não me conhece.
Na cozinha que pratico, utilizo os ensinamentos do meu pai associados aos sabores que vão ao encontro do meu gosto pessoal.
Raramente em casa e em contexto de amigos refiro-me aos meus cozinhados com nomes, prefiro referir ingredientes basilares....que utilizei na confecção.
tenho imenso respeito pela criatividade que deu origem a determinados pratos de que todos gostamos e que são uma referência da gastronomia.
Quanto a isso tenho um agradecimento pessoal a fazer, pois ao ler o seu artigo sobre o Bacalhau Espiritual, fiquei elucidada sobre as origens do meu prato favorito de bacalhau. confesso que não o executava da forma como o apresenta. Mas agora sim já consigo a textura que refere, que o torna num prato delicado e forte. Obrigada pelas partilhas e ensinamentos.

HV disse...

Apesar de ser frequentador quase diário do seu fantástico blog,ao qual tiro o meu chapéu, é a 1ª vez que deixo um comentário. Lamentavelmente, o que mais aparece na blogosfera culinária são preparações desastradas e/ou banais, às quais atribuem o nome de pratos consagrados da cozinha tradicional portuguesa ou até de outras paragens. Para pior, o "castigo" que recebem é a aposição de uns selinhos ou outros "mimos" do género. Esses não visito mais! Haja decência! (Aquela açorda de bacalhau é de antologia!)

Margarida disse...

"Todo o cânone é uma tirania, toda a receita um espartilho." Assim é. Na culinária, como na vida. Nas excepções à regra, quantas vezes não somos, nós próprios, a excepção que contraria tudo aquilo que está estereotipado! Mas, "culináriamente" falando, confesso-me "espartilhada" na cozinha, talvez por isso goste tanto de o visitar! Grandes lições aqui aprendo. Grata.